sábado, 25 de agosto de 2007

Machu Picchu Pueblo - SOCORRO!

Acordamos bem cedo, umas 5h da manhã. Tomamos café, pagamos a diária e deixamos as mochilas no hotel. Em todos os hotéis é possível deixar a mochila pra pegar outro dia sem pagar nada a mais pelo serviço. No Amaru eles te dão até recibo. Por volta de 6hs uma mulher da agência de turismo, responsável (ou melhor, irresponsável!) por nos levar até o trem, apareceu no hotel e disse que havia perdido nossos bilhetes. Então, fomos até a estação onde ela retirou uma segunda via. Isso foi possível porque todos os bilhetes emitidos levam o nome do passageiro e número de documento. Só que a segunda via é completamente diferente do bilhete original. Bom, com os bilhetes em mãos ela nos colocou num táxi pra Ollantaytambo, de onde saía o trem com destino a Águas Calientes ou Machu Picchu Pueblo. Existe um lugar em Cusco onde ficam vários táxis que levam a galera pra pegar o trem em Ollantaytambo. A viagem não é muito curta, dura aproximadamente 1h, e a estrada é bem perigosa, cheia de pedras pelo caminho e muitas curvas. Mas tudo correu bem e chegamos lá a tempo.

Já na estação de Ollantaytambo, na hora do embarque, a pessoa que verificava os bilhetes não conhecia a segunda via e disse que não poderíamos embarcar. Mandamos chamar o gerente e ele liberou o embarque.

O caminho percorrido pelo trem é muito bonito. Os trilhos seguem o rio Urubamba, que tem as águas claras e correnteza forte. Existem duas rápidas paradas antes de chegar a Machu Picchu Pueblo. A primeira delas é no início da trilha inca de 4 dias, onde ficam concentrados diversos guias e carregadores (foto), com equipamentos de camping e comida para todos os dias. A segunda parada é no início da trilha inca de 2 dias (1 noite). Como disse antes, só havia vaga para a trilha em Agosto/07. Logo depois, por volta de 11h, chegamos ao nosso destino.

Na estação de trem já dava para perceber que a cidade era minúscula. Ao lado da estação fica uma feira de artesanato (tudo muito caro e vendem as mesmas coisas que você encontra em Cusco) por onde obrigatoriamente se deve passar para chegar na praça.


Em Machu Picchu Pueblo não existem carros. Existem alguns ônibus que fazem o trajeto Machu Picchu Pueblo x Machu Picchu (parque) e só, pois não há outra estrada por onde possam passar. A única forma de sair ou chegar na cidade é de trem, dois horários por dia apenas. Não me perguntem como eles colocaram aqueles ônibus na cidade e como eles abastecem os ônibus. Eu não sei!


A cidade é rodeada por enormes montanhas verdes, cortada por dois rios (um deles desemboca no Urubamba), ruas bem estreitas e ladeiras. Na praça existe uma estátua de Pachacutec, o fundador de Machu Picchu, e vários restaurantes bonitinhos e aconchegantes. Num primeiro momento pensei que iria passar um dia muito agradável naquela cidade. Como eu estava enganada!

Fomos procurar um hotel. Os bons são muito caros, mais de U$100. Os outros, pelo menos os que visitamos, são ruins e com diárias que variavam entre U$10 e U$50. Ficamos em um, ao lado do rio, que se chama Mosoq Inti (U$10). É feio também, mas o quarto não era o pior de todos.


Procuramos um lugar para almoçar e depois passeamos pela cidade. Perto da praça existe um ponto de vendas de ingressos para o parque de Machu Picchu (S/60 com carteirinha de estudante). No ponto de ônibus você também consegue comprar antecipadamente sua passagem para subir até o parque (U$6 por trecho) e o primeiro ônibus sai às 5:30h da manhã (em todas as agências de viagens nos disseram que o primeiro ônibus sai às 6h. Mentira! Os guias é que têm preguiça de embarcar às 5:30h.). Não compramos nada, pois tudo estava incluído no nosso pacote e os ingressos seriam entregues pela guia, chamada Ana Cecília. Ela nos encontraria à noite no hotel.

Voltamos ao hotel, colocamos roupas de banho e fomos para as piscinas de águas termais de Machu Picchu Pueblo. A entrada custa S/10, armário S/1 e toalha S/2,50. São 6 piscinas e algumas duchas de água bem quentinha, no pé da montanha, ao ar livre, ouvindo o som do rio que corre ao lado. Uma delícia! Por volta de 15:30 eu quis ir embora, pois queria tomar banho cedo e lavar o cabelo. Ainda bem que eu quis ir embora! Coisas de mulher ou sexto sentido? Mistério!!!!!

Após o banho, deitei por uns poucos minutos. Logo depois soou uma sirene. Eu, que deitada estava, deitada continuei. Pensei que tivesse algum colégio por ali. O toque da sirene foi bem longo e assim que terminou tocou de novo. Então ouvimos o pessoal do hotel bater de porta em porta e gritar: emergência, emergência, todos devem descer, rápido! Coloquei uma calça, esqueci o casaco, desci de chinelo e levando apenas minha bolsa. Larguei a maior parte do dinheiro no hotel e esqueci de trancar a porta. Imaginei que eu fosse apenas até a portaria ou a calçada, sei lá! Quando chegamos na porta do hotel, todos corriam e gritavam:


- HUAYCO! HUAYCO!

Parecia coisa de filme! Cada um corria pra um lado da cidade, pessoas se espremiam tentando passar pelos becos estreitos, crianças perdidas, brinquedos jogados, uma loucura! Sem saber o que estava acontecendo, decidimos correr até a praça da cidade, por ser a rua mais larga. Pelo caminho tentávamos encontrar respostas, mas ninguém dizia o que era Huayco. Todos nos mandavam correr para o lugar mais alto possível, mas a praça era o lugar mais baixo.

Enquanto o desespero tomava conta do povo, alguns malucos ficaram parados no meio da praça tirando fotos da correria.

Na praça um homem abriu as portas de um hotel e disse para irmos por ali. Entramos no hotel, subimos todos os andares. No terraço, tivemos que pular o muro encostado em uma das montanhas e subir ainda mais, bem alto, barranco acima. Algumas senhoras tentavam pular o muro sem sucesso. Ajudamos algumas, mas não muitas, pois não sabíamos se tínhamos tempo pra isso. Já lá no alto, no meio de várias pessoas desesperadas, encontramos uma policial e perguntamos o que era o tal Huayco, o que estava acontecendo ali.

Enfim conseguimos desvendar o mistério. Não era um monstro, não era terremoto e não era vulcão. Era uma tromba d'água no alto da montanha que fica acima das piscinas termais. Quando isso acontece (e pasmem, é normal!) a água cai violentamente, arrastando barro, pedras, árvores. Em 2005 aconteceu um tão forte que, segundo disseram, matou 12 pessoas em Machu Picchu Pueblo.

As piscinas quentes, onde estávamos pouco antes de soar a sirene, foi o primeiro lugar a ser atingido e as pessoas que ali estavam correram ladeira abaixo de roupa de banho mesmo.

Pensamos que estávamos a salvo ali no alto da montanha e que fosse só esperar tudo voltar ao normal. De repente a policial nos avisa que naquela montanha também poderia ter huayco. Tivemos que descer, pular o muro de novo, ajudar outras senhoras e correr para o outro lado da cidade. Atravessamos uma ponte e vimos que a água do rio estava muito escura e descendo com muita força. Ficamos na porta de um hotel 5 estrelas chamado Pueblo Hotel, até o vigilante nos mandar sair, pois se tratava de propriedade particular e ninguém poderia ficar ali. Fiquei muito revoltada com isso, pois nos haviam dito que aquele lugar era o mais seguro e o babaca (só chamando assim) retirando o povo dali, da calçada, da rua! Ninguém estava dentro do hotel!

Bom, saímos da porta do hotel e ficamos no meio da linha do trem. Nessa hora "caiu a ficha". O último trem já havia partido e estávamos presos naquela cidade. Começou a escurecer e ficamos conversando com alguns moradores. Eles disseram que no mês de março choveu tanto que eles dormiam de roupa, já que ter huayco é comum ali. Só que, mesmo com toda chuva, nada aconteceu. Naquele dia não choveu nada na cidade, só no alto da montanha, e ninguém esperava por isso.

Aos poucos, o intervalo entre as sirenes ia ficando maior e, por volta de umas 18:30h, todos puderam retornar às suas casas. Eu estava com muito medo de ficar na cidade e perguntei a alguns moradores se havia algum hotel seguro. Eles diziam que nada ali era seguro, que se Pachamama quisesse nos levar não teria como fugir, etc. Muito consolador! Disseram que o nosso hotel, por ficar ao lado do rio, era um dos mais perigosos e que talvez o mais seguro fosse o 5 estrelas, de onde nos expulsaram da porta.

Engolimos o orgulho e fomos até o tal hotel saber o preço da diária: U$ 398. Mandamos reservar o quarto. Melhor pagar isso que morrer em Machu Picchu Pueblo! Antes de voltarmos ao Mosoq e pegarmos nossas mochilas, passamos no posto policial para sabermos mais sobre o huayco. O policial nos explicou que pelos muros da cidade existem várias setas pintadas indicando áreas de escape. Só que com a correria não se consegue vê-las e, como ninguém te avisa que isso pode acontecer, você não está preparado e não dá a mínima pra aquelas setas quando passeia pela cidade. Eles nos disse que era besteira ficar no hotel 5 estelas, que haviam outros hotéis nas áreas de escape e que, se a sirene voltasse a tocar, você já estaria no meio do caminho para um lugar "seguro". Ele nos indicou um chamado Inka Tambo. Um lixo, bem pior do que o outro onde estávamos. A dona nos disse que iria cobrar o mesmo preço, S/50, que não iria se aproveitar da situação de ter um hotel seguro para cobrar mais. Eu achei bem salgado, pois o lugar era muito feio.
Sem opção, ou melhor, entre pagar S/50 ou U$398, decidimos ficar ali. Reservamos o quarto e voltamos ao Mosoq para buscar as mochilas. Paramos num orelhão para ligar pra guia, mas as chamadas não eram completadas (acho que por causa do huayco). Como já estava perto da hora que havíamos marcado, fechamos a conta no Mosoq e ficamos esperando pela guia na recepção. Ela chegou e foi conosco até o local onde vende ingressos para o parque. Estava fechado! Fomos até o ponto de ônibus comprar os tickets de subida. Estava fechado! Tudo fechou mais cedo. Então, combinamos de encontrar com a guia às 5:30h da manhã no ponto de ônibus, onde ela nos daria os ingressos.
No caminho para o outro hotel, passamos novamente pela praça e no meio dela, em frente à Prefeitura, tinha um telão passando o jogo Bolívar x Boca. Várias pessoas estavam assistindo, algumas crianças jogavam bola, os restaurantes estavam cheios, parecia que nada tinha acontecido. Enquanto isso, o Prefeito e algumas autoridades locais estavam reunidos para tentar encontrar uma solução para o huayco. É tudo igual, eles só se reúnem depois que o problema acontece. Jantamos e voltamos ao hotel pra descansar. Não tinha água, também por causa do huayco. O negócio era mesmo tentar dormir, rezando para que a sirene não voltasse a tocar.
Pesquisando na internet achei um texto interessante sobre o huayco que aconteceu em 2005 (http://www.infocusco.com/modules/news/article.php?storyid=49). Inseri, abaixo, alguns trechos deste texto que foi escrito em 24/03/2005. Penso que até hoje a situação é a mesma.
"La municipalidad de Machu Picchu es la más rica del país, de lejos y —qué sorpresa— compite por el galardón de la más corrupta y la más ineficiente. Se espera que el Ministerio Público abra de inmediato una investigación en el desastre del pasado fin de semana en Aguas Calientes. Se habla de accidente, pero más sentido tiene decir homicidio culposo, pues tarde o temprano le iba a suceder a 11 personas como las fallecidas. Eran muertos anunciados. Una docena de estudios oficiales a lo largo de los pasados tres años (los de Toledo) muestran que Aguas Calientes, el pueblo al fondo de la garganta que dominan las alturas de Machu Picchu, es un lugar peligroso. Fue el alcalde de Aguas Calientes quien emitió las licencias de construcción para que se construyera los edificios en pleno cauce del huayco que acaba de arrasar varias casas, restaurantes y dos hoteles. Uno de los hoteles arrasados pertenecía al propio alcalde. Por fortuna estaba inconcluso, y por tanto desocupado. "Tenemos hidalgamente que reconocer nuestros errores," le dijo Oscar Valencia a una radio local hace unos días. Increíblemente, el Congreso de la República acaba de dar una ley entregándole US$1 millón al año del presupuesto del INC a esta pequeña alcaldía sumida en la corrupción, y que ya era rica para comenzar. Mientras tanto, en lugar de resolver el problema de Aguas Calientes, el año pasado el Ministerio de Turismo se gastó S/5 millones en pintura y otros cosméticos. Ni un céntimo para proteger a la población local y a los turistas de los conocidos peligros de la naturaleza."